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Urbanização acelerada provoca efeitos na saúde

ENSP, publicada em 28/09/2011

Marina Lemle*

“A cidade é uma estranha senhora que hoje sorri e amanhã te devora”. O verso de Chico Buarque inspira reflexões de arquitetos, urbanistas, cientistas sociais e, mais recentemente, de profissionais de saúde preocupados com as consequências do crescimento urbano desordenado na saúde da população como a professora titular de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Waleska Teixeira Caiaffa. Na terça-feira (27/9), em palestra realizada na ENSP, durante a I Oficina Brasileira de Saúde Urbana para a construção de Políticas Públicas Integradas de Saúde, Ambiente e Urbanismo, Waleska destacou a importância da multidisciplinaridade e da intersetorialidade nessa área. “A urbanização acelerada e pouco organizada provoca danos sociais, econômicos e ambientais que afetam a saúde das pessoas. Há muito o que aprender e avaliar”, disse.
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O evento, promovido pela Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública, segue até 29 de setembro.

Logo na primeira apresentação, Waleska Caiaffa, que há dez anos desenvolve projetos conjuntos com o Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte – que tem parcerias com a UFMG e órgãos de governo do município e do estado -, afirmou que a capital mineira atingiu o objetivo do milênio no que se refere à mortalidade infantil. Ela apresentou alguns indicadores que permitem territorializar as informações, como o Índice (composto) de Vulnerabilidade à Saúde (IVS), que aponta onde se faz necessária a intervenção do Programa Saúde da Família (PSF), e o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU), que ampara a Secretaria Municipal de Planejamento nas decisões sobre distribuição orçamentária, em consonância com o orçamento participativo instituído na gestão. “Há vários Brasis dentro da cidade. Jovens morrem mais de acordo com territórios. Áreas de baixa qualidade de vida requerem maior investimento”, afirmou.

A professora citou estudos recentes realizados em Belo Horizonte, como o Observação Social Sistemática, em que os pesquisadores observaram condições físicas e sociais das vizinhanças, identificando regiões de alta e baixa vulnerabilidade, além do projeto Saúde em Beagá, desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, que avalia academias de ginástica em 150 setores sensitários da cidade, buscando entender a dieta, a atividade física e os determinantes sociais e de bem estar de adolescentes.

Outro estudo avaliou, num período de dez anos, a relação entre a presença de estações radio-base de telefonia celular e casos de óbitos por neoplasia. Ao quantificar os dados, os pesquisadores verificaram que no raio de 500 metros mais próximos das antenas estavam concentrados 81,37% dos óbitos. Outras pesquisas com dados do Samu e da SMS-BH abordam questões de transporte urbano (por exemplo, atropelamentos e acidentes de moto) e dengue.

Vila Viva: sem risco nas encostas

Uma experiência que vem ganhando destaque no cenário nacional e internacional de saúde urbana é a intervenção Vila Viva, promovida pela Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), cujas primeiras obras tiveram início em 2005, no Aglomerado da Serra. O programa foi apresentado na oficina da ENSP pelo diretor presidente da Urbel, Claudius Vinicius Leite Pereira. Segundo Pereira, o trabalho de intervenção estruturante em vilas e favelas visa manter pessoas nas suas próprias localidades, chamadas de “zonas especiais de interesse social”.

“Hoje, cerca de 471 mil pessoas vivem nessas áreas, o que representa 19,5% da população – um em cada cinco habitantes -, numa proporção similar à de outras grandes cidades, como o Rio. Em Belo Horizonte, as 174 vilas e favelas existentes ocupam 16,8km – menos que 5% da área da cidade, o que demonstra alta densidade populacional. São 3.789 edificações de risco, mas não se perde mais gente em acidente de encosta, graças a investimentos de política urbana”, disse.
Pereira contou que o programa Vila Viva inclui ações de sustentabilidade, com instrumentos de captação de recursos, e é planejado junto com a população. “A participação popular norteia as ações desde 1993. São 19 anos de continuidade de projeto de governos populares democráticos, numa política sólida de habitação”, afirmou. Ele acrescentou que o orçamento participativo define os investimentos e que as intervenções são pensadas a partir de levantamentos de dados urbanísticos e ambientais, jurídicos e socioeconômicos. Além da integração de políticas e da intersetorialidade, equipes são plantadas nas áreas para promover a gestão compartilhada, de proximidade. O projeto trabalha com três eixos de participação comunitária: mobilização social e organização comunitária; educação sanitária e ambiental; e geração de trabalho e renda.

“Há uma contribuição que só o cidadão pode dar. Ele é chamado a participar com ideias e soluções para os problemas e tem papel preponderante, contribuindo para o convívio, a inclusão social e a geração de renda e sustentabilidade. Temos mais de 20 mil presenças e cinco mil horas em reuniões com as comunidades”, contou.

Integração para a valorização da diversidade no Rio

O professor de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Pedro da Luz Moreira, coordenador do projeto Morar Carioca, convênio do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) com a prefeitura do Rio, defendeu que a arquitetura e o urbanismo sejam promotores da saúde, propondo uma cidade densa, com diversidade social, mobilidade ampliada e visibilidade dos biomas. “É preciso promover a convivência entre classes para não reproduzir os guetos ricos e pobres, que é a realidade atual, investir fortemente em transporte público para ampliar a mobilidade, porque o modelo de carro individual é um tiro no pé, e aproximar os diversos biomas dentro da cidade, com a recuperação de parques e nascentes, que têm um valor muito forte para o cidadão”, disse em sua apresentação.

Moreira ressaltou a necessidade de médicos, sociólogos, arquitetos e outros profissionais de diferentes áreas atuarem em interdisciplinaridade, costurando visões e ações. Ele ainda enumerou alguns princípios de cidade saudável: remodelar a cidade, aproveitando suas próprias qualidades e carências; recuperar e priorizar os espaços livres, celebrando o espaço público para a integração e o convívio entre as diferenças; e aproveitar oportunidades como grandes eventos. E também criticou a ausência crônica de políticas habitacionais no país: “Precisamos promover melhorias habitacionais. O Rio está engatinhando nas questões de urbanização de favelas. É preciso construir mecanismos de governança rapidamente. Esse seria o grande retorno dos eventos no Rio e deve ser cobrado. Como manter as obras depois das obras? Como não voltar ao estágio de favela? É uma difícil integração, longa e não episódica”, afirmou.

O arquiteto também comentou o slogan “Minha casa, minha vida”, afirmando que o problema não é só a casa, mas as redes. “Emprego, ascensão social e outras questões precisam ser encaradas na discussão da casa urbana, para garantir saúde às famílias”, defendeu. No final, comentou o alto índice de tuberculose na Rocinha: “Os índices de tuberculose na Rocinha são muito maiores do que em outros lugares, porque falta luz solar e ventilação nas moradias. Há uma endemonização dos assentamentos de favelas, mas não podemos reproduzir preconceitos e paternalismos, como o de que as populações não aceitariam viver em construções verticais, como a classe média já vive”, disse.

Teoria para fundamentar a prática

A professora Ana Maria Girotti Sperandio, do Laboratório de Investigações Urbanas (Labinur) da Unicamp, contribuiu para a oficina trazendo aos participantes embasamento teórico. Na apresentação Promoção da saúde e uso do espaço urbano: aspectos relevantes para a construção da cidade saudável, ela citou documentos do urbanismo e da saúde, como a Carta de Atenas e a Carta dos Andes. “A saúde deve se apropriar deles; são marcos muito importantes para projetos em saúde urbana”, aconselhou.

Ela destacou que a Constituição trata da política urbana no artigo 182 (parágrafos 1 e 2) e citou a Carta de Ottawa. “Documentos extremamente importantes convergem e devem ser lidos e relidos. Basta reorganizar isso”, disse. Ela sugeriu também a aplicação dos princípios citados nas palestras anteriores, como o de intersetorialidade e de participação comunitária.

De acordo com Ana, o planejamento com enfoque urbano saudável deve ser pauta dos governos e o agir intersetorialmente deve ser um exercício constante e coletivo, atravessando setores como economia, sociedade, educação, cultura e envolvendo a participação da sociedade civil. Para a professora, um planejamento urbano adequado segue planos diretores sincronizados com a realidade local. Deve construir-se de forma articulada para que o espaço urbano tenha função social. Têm que ser respeitadas as especificidades de cada local, que pertence a um bioma e tem um querer, uma necessidade. Não sabemos escutar os desejos coletivos”, criticou.

Fiocruz engajada na luta por saneamento, saúde e urbanismo

Também participaram da mesa de abertura Margareth Portela, vice-diretora de Pesquisa da ENSP, o chefe do Departamento de Saneamento, Paulo Barrocas, a pesquisadora do mesmo departamento Simone Cynamon Cohen – que destacou a cooperação técnica da Fiocruz com o IHS da Holanda e com instituições de Minas Gerais -, a pesquisadora Carmem Silveira, do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em Jacarepaguá, que atua há três anos na construção de territórios saudáveis, e a pesquisadora da ENSP Carla Moura Lima, que se dedica a movimentos sociais em saúde e participou do desenvolvimento do livro Por uma Itaboraí saudável, distribuído no evento.
O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Valcler Rangel, enalteceu o fato de que a Fiocruz está “bebendo da fonte dos colegas da UFMG e das estruturas de governo mineiras”. Ele destacou que a Fiocruz já desenvolve ações como o Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde Pública (PDTSP) Cidades Saudáveis e lembrou que estão na agenda da VPAAPS temas como o impacto dos grandes investimentos, mudanças climáticas, saneamento, biodiversidade e saúde, reunindo parceiros em unidades como a ENSP e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

* Marina Lemle é jornalista da VPAAPS/Fiocruz