Para estudiosos, o modelo de autoproteção baseado no isolamento em ilhas é falho

Prof. Dr. Lauro Francisco Filho
Prof. Dr. Lauro Francisco Filho

O Prof. Dr. Lauro é pesquisador do Grupo de Pesquisa “Promoção da Saúde e Políticas Públicas em Rede” da FCM/UNICAMP e do Laboratório de Investigações Urbanas (LABINUR) da FEC/UNICAMP.

Muralhas feitas de pedras, torres de vigilância, fossos preenchidos com água e até mesmo torres de observação de defesa e ataque. A estética característica da arquitetura da Idade Média, que durante séculos simbolizou segurança e proteção, inspira um novo mercado da construção civil que vem ganhando espaço na morfologia urbana dos grandes centros.

O resgate do conceito no modelo de segurança baseado em barreiras anti-invasões vem alterando características estéticas das residências de alto padrão em um fenômeno que especialistas já classificam como “medievalização das construções”. Para estudiosos da chamada arquitetura da violência, o modelo de autoproteção baseado no isolamento em “ilhas” é falho.

Ao invés de garantir mais segurança, os novos “minifeudos” reduzem a convivência no espaço urbano, esvaziam as ruas de áreas residenciais e fomentam ainda mais a cultura do medo.

Em Campinas, não são difíceis de serem encontradas residências que se espelham na arquitetura da violência e que até pouco tempo só eram vistas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Entre as principais caraterísticas estéticas das novas moradias, se destacam a diminuição do tamanho das janelas frontais ou até mesmo sua substituição por janelas laterais; elevação no tamanho de muros, que em alguns casos chegam a até 12 metros de altura; seteiras — aberturas em muros semelhantes às existentes em muralhas medievais para utilização de arco e flecha, agora substituídas por armas semiautomáticas —; torres de observação e outras barreiras físicas que, reunidas, tornaram o que antes se assemelhavam a lares, em grandes fortificações.

Na opinião de quem estuda o assunto, a arquitetura da violência é alimentada por uma sensação de insegurança coletiva que, em determinados casos, pode beirar até mesmo a paranoia. No Brasil, já existem até mesmo empresas especializadas na construção dos chamados “quartos do pânico”. A construção, que dá nome ao filme estrelado pela atriz norte-americana Jodie Foster, ficou conhecida por ser uma célula de sobrevivência blindada que permite manter quatro pessoas por até sete dias em caso de invasão a uma residência. O mercado brasileiro já oferece também a construção de bunkers de guerra. Subterrâneos, podem abrigar uma família por até três anos e, segundo uma empresa da área localizada em Jundiaí, as vendas têm crescido a cerca de 30% ao ano no País.

O arquiteto Lauro Luiz Francisco Filho, coordenador do Laboratório de Investigações Urbanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que, apesar de toda esta estrutura, as estratégias de segurança na maioria deste tipo de construções são ineficientes. A reportagem saiu com o professor pelas ruas de Campinas, onde o especialista encontrou exemplos de construções que se espelham em fortificações, mas que, segundo ele, não só não impedem invasões, como também, pioram a qualidade da segurança residencial.

O primeiro endereço residencial visitado foi uma casa à venda no bairro Parque Universitário. O muro encobre quase que totalmente a frente da casa, há interfones, câmeras de segurança e cerca elétrica. A casa é aparentemente bem segura e quase intransponível. Mas não é. “A dificuldade do criminoso será só entrar, depois disso, aqui fora, ninguém vai ver mais nada o que acontecer”, afirma.

O especialista explica que a obstrução visual completa do interior da residência é um agente facilitador para a ação de criminosos. De acordo com ele, grades trespassadas, uma cerca elétrica e um cão adestrado já reuniriam condições de segurança mais baratas e eficientes que o modelo de grandes fortificações, e vai além. “Em última análise, segurança está ligada à convivência. A segurança começa com relacionamento. Hoje, você não vê ruas cheias de crianças brincando e vizinhos se relacionando, isso vale mais que qualquer alarme. O criminoso se sente mais intimidado quando vê uma vizinhança na rua, do que ruas vazias, como vemos hoje em dia”, afirma.

O professor lembra que os atuais modelos de construção interferem na iluminação do ambiente, na ventilação e podem, inclusive, se tornar prejudiciais à saúde. “As pessoas têm trocado salubridade, por uma falsa sensação de segurança”, afirma.

Reportagem de Henrique Beirangê
17/04/2011 – 10h44 . Atualizada em 17/04/2011 – 11h38
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